Na newsletter dessa semana, eu quero falar sobre SHEIN. Eu, já falei muitas vezes, ando obcecada por esse tema porque acredito que esse é o grande assunto da moda do momento. Acho que a Shein traz consigo uma grande revolução: ela tem um modelo de produção que alcançou o estoque zero - um grande sonho e também calcanhar de Aquiles do varejo; usa tecnologia e algoritmos super modernos para entender o que será vendido e o que vai empacar. A Shein também é responsável por ser, muito provavelmente, a primeira marca que produz roupas de todos os tamanhos possíveis e imaginários com informação de moda e preço acessível. Bom, claro que, nesse milagre todo, tinha que ter um problema. E a Shein não tem só um problema, tem vários: modelo de trabalho análogo ao escravo, uma quantidade absurda de produção de roupas, que é o exato oposto de qualquer pensamento sobre moda e sustentabilidade e o uso excessivo de poliéster - que é uma fibra feita 100% de petróleo. Segundo as pesquisas, ⅔ das peças da ultra fast fashion são feitas de poliéster - comparando, Zara tem 27% dos produtos com poliéster e H&M tem 21%. Sem contar no sucateamento total das equipes criativas de moda, né? É praticamente o fim da equipe de estilo…
![A shopper carries a white Shein shopping bag. A shopper carries a white Shein shopping bag.](https://substackcdn.com/image/fetch/w_1456,c_limit,f_auto,q_auto:good,fl_progressive:steep/https%3A%2F%2Fsubstack-post-media.s3.amazonaws.com%2Fpublic%2Fimages%2F254dba8b-4d89-4c55-8410-84804f2591dd_1440x810.jpeg)
Pra além de tudo isso, a SHEIN chegou e se instalou no Brasil e, para além das informações oficiais, eu ouço muita conversa paralela no meu DM do instagram. Muita gente que trabalha na SHEIN, gente que já produz pra marca como confecção, advogadas que estão envolvidas em ações com a marca (seja de lobby, seja de fiscalização tributária e afins). O boato é que a ultra fast fashion chegou ao Brasil conquistando fornecedores de grandes players, já que paga à vista pelo total da produção. Em geral, no Brasil, as grandes marcas demoram a pagar, dividem de muitas vezes esse pagamento e, pras confecções - que, no geral, são negócios pequenos e sem muito fluxo de caixa - receber um pagamento desse tamanho e nesse volume à vista, faz toda a diferença. Também já tem o boato de que a SHEIN tá comprando todo e qualquer estoque parado das confecções, tanto faz a cor, não importa o tecido, nem mesmo se tem alguma estampa específica de alguma marca… isso porque, como entra produto na plataforma o tempo todo, é quase impossível que um consumidor reconheça que um determinado tricot cor de rosa já foi vendido também na Riachuelo, por exemplo.
E se, mesmo antes de se fixar no Brasil, sem loja física, a SHEIN já faturava muito no país - basta olhar o levantamento dos últimos anos feito BTG: "Somente o faturamento da Shein no país é mais que o dobro da soma do GMV de grandes companhias brasileiras de moda, como C&A (R$ 1,4 bilhão), Renner (R$ 2,2 bilhões), Arezzo (R$ 1,4 bilhão) e Hering (R$ 300 milhões).
Em 2022, o BTG estima que a Shein faturou R$ 7 bilhões no Brasil. Se os números estiverem corretos, a varejista chinesa cresceu 114% em um ano no país.
![Loja temporária da Shein em um shopping de Singapura Loja temporária da Shein em um shopping de Singapura](https://substackcdn.com/image/fetch/w_1456,c_limit,f_auto,q_auto:good,fl_progressive:steep/https%3A%2F%2Fsubstack-post-media.s3.amazonaws.com%2Fpublic%2Fimages%2Fab7fbafd-f2b5-49f3-afd6-e36a550bcb1b_768x512.jpeg)
Bom, a tensão agora é: o que vai ser do varejo brasileiro com tendo essa ultra fast fashion disputando fornecedores e não só clientes?
Pra me ajudar nessa conversa, eu chamei Marília Carvalhinha, que além de consultora estratégico-financeira, é minha amiga de especulações de SHEIN.
MODA NACIONAL: COMO FAZER FRENTE À CONCORRÊNCIA DAS PLATAFORMAS CROSSBORDERS, COMO SHEIN?
Nos últimos anos estamos acompanhando o crescimento acentuado das vendas de produtos de moda através de plataformas crossborders, como Shein, Shoppe e Aliexpress. Muitos consideram que esse modelo de negócios beira a concorrência desleal e estão sendo discutidas bases legais para regular a importação e buscar uma contrapartida para a economia nacional. Mas, por outro lado, essas plataformas oferecem condições que, de fato, alteram o ambiente concorrencial de moda no Brasil (e no mundo). Então cabe avaliar como uma marca nacional pode avaliar suas frentes estratégicas nesse cenário.
O QUE SÃO PLATAFORMAS CROSSBORDERS?
Plataformas crosborders são aquelas que vendem produtos importados para o mercado nacional através de ambientes virtuais sem a necessidade obrigatória de ter uma sede e um centro de distribuição físico no Brasil.
POR QUE ELAS GERAM POLÊMICAS
As polêmicas geradas por esse tipo de plataformas são:
1) Isenção de impostos de importação para remessas de até USD 50.
2) Dificuldade de fiscalização de remessas maiores, gerando possível evasão fiscal.
3) A produção (internacional) dos itens vendidos pelas plataformas crossborders não é obrigada a seguir o rigor das leis brasileiras. Pesquisas recentes da Public Eye apontaram, por exemplo, que trabalhadores chegam a ter jornadas de 12 horas por dia durante 6 a 7 dias por semana. Além disso, têm ganhos líquidos de, na média, USD 332 por mês, bem abaixo dos USD 900 considerado como um salário digno na China.
4) A transparência dos produtos importados desse tipo de plataformas é comprometida, uma vez que não é simples auditar a cadeia produtiva na China.
5) Os consumidores brasileiros desse tipo de plataforma gostam de ser beneficiados pelo baixo preço e pressionam (através da “opinião pública”) por manter o “status quo”.
O QUE A SHEIN TEM DE ESPECIAL NO SEU MODELO DE NEGÓCIOS, PARA ALÉM DAS POLÊMICAS
• Experiência de usuário “gamificada” e altamente social, viciante e aderente ao perfil das gerações mais jovens.
• Grande variedade de produtos “para todos os gostos e tipos de corpos”.
• Como modelo de negócios, ela consegue ser muito rápida em testes e repiques de produções, permitindo que seja muito assertiva no estoque oferecido – o que é mérito de ter uma cadeia produtiva amarrada com sua área de planejamento e baseada localmente (para eles) na China.
EM QUE PÉ ESTAMOS
Após as polêmicas de 2023, as tarifas de importação foram anuladas para remessas até USD 50, enquanto a Shein prometia gerar 100 mil empregos no Brasil e nacionalizar 85% da produção.
Até o momento, não temos dados de quantos empregos já foram efetivamente gerados, mas boatos dizem que a empresa está com dificuldades de cumprir os seus planos. Afinal, os fornecedores brasileiros estão sujeitos às leis nacionais e vêm se desenvolvendo no nosso ambiente competitivo, que tem uma dinâmica muito diferente ao contexto Chinês.
O QUE A MARCA DE MODA BRASILEIRA DEVE CONSIDERAR PARA O FUTURO DO SEU NEGÓCIO
É muito provável que seja criada alguma barreira (taxação) à importação de produtos das crossborders, por dois motivos: todo o resto do mundo está agindo nessa direção e a indústria nacional está ativamente refutando a derrubada dos impostos. De fato, a indústria nacional hoje paga impostos maiores do que as crossborders ao trazer produtos importados.
Mas, mesmo que esses produtos cheguem um pouco mais caros no Brasil, eles ainda afetam fortemente a competição nacional por todos os outros aspectos de velocidade, tecnologia e experiência – nos quais estão muito evoluídos!
Por isso, não é prudente negligenciar a ameaça... Então, o que fazer?
Na minha opinião, para grande parte das empresas o caminho passa por posicionamento com atuação de nicho e diferenciação. Ou seja, cada vez é mais importante entender claramente as expectativas específicas de nichos e atendê-las de forma mais precisa com:
• mix de produtos que entregam um valor adicional de curadoria / estilo
• produtos de design / qualidade / durabilidade / atributos de sustentabilidade
• comunicação precisa para o nicho
• experiência enriquecida no varejo físico (investir, por exemplo, no atendimento e no ambiente)
• atendimento e serviços premium
Para os grandes, que pretendem continuar vendendo volumes mais altos com penetração de mercado maior, os desafios que se colocam são:
• aproveitar das estruturas de lojas físicas (estamos falando de redes com centenas de lojas) para trabalhar bem a omnicanalidade
• desenvolvimento tecnológico para melhorar experiências digitais (eventualmente adicionando os atributos de gamificação / social das crossborders)
• trabalhar dados e IA para melhorar previsibilidade de demanda e experiência digital (o público ser impactado por produtos com mais aderência ao sue perfil de consumo)
• manter ou melhorar qualidade do produto (é um atributo “básico”, mas que as crossborders ainda não entregam)
• comunicar melhor as diferenças no que se refere a atributos de sustentabilidade / segurança de conformidade com padrões de relações de trabalho
Vou encerrar essa news com meu ponto de vista que é primeiro de consultora de moda: as marcas brasileiras ainda patinam quando o tema é numeração e padronização de modelagem - o que é, sim, um problemão. Não tem ninguém aqui nessa newsletter, aposto, que já não passou raiva comprando tamanhos diferentes dentro da mesma loja simplesmente porque não há qualquer padronização. As tabelas de medidas são mal feitas, os tamanho não seguem critério algum e, em 2024, é inacreditável que as marcas ainda insistam em encerrar sua grade no tamanho 44.
Além disso, eu sinto um outro problema bastante recorrente: muitas marcas parecidas entre si, todo mundo tentando vender as mesmíssimas coisas. Pouca gente pensando em nicho e cultura, muita gente tentando vender mais do mesmo. É infinitamente mais difícil vender um produto que não tem diferenciação - e, sem dúvida, não vai dar pra competir com a SHEIN em termos de velocidade de tendência. Que a gente se proponha, então, a competir por criatividade, originalidade e materiais exclusivos.
Por fim, eu sinto que todo mundo perde cliente pra SHEIN, inclusive marcas de segunda mão como o Enjoei - que compete por preço com a ultra fast fashion; marcas fitness, acessórios… não podemos pensar que é só sobre o varejo de roupas novas. Não é.
Vou adorar continuar essa conversa com vocês nos comentários, aproveita pra encaminhar essa news pra pessoas do mercado de varejo, de moda, de tendência… quanto mais gente se propuser a pensar sobre o tema, mais chance de acomodarmos melhor o tsunami que estamos e seguiremos vivendo.
(isso porque nem começamos a falar de Temu... que foi um dos aplicativos mais baixados no Brasil e a marca sequer chegou por aqui! vamos deixar esse tema pra uma próxima edição…).
Nos vemos semana que vem :)
Tema SHEIN é sempre desafiador, considerando os aspectos bem colocados na News. Temos muitas pequenas confecções em SC que já possuem o selo ouro da ABVTEX e estão buscando maior qualificação em ESG justamente pela demanda das grandes cadeias nacionais, o que é uma evolução bacana no setor. No entanto, a grande maioria espera que suas ações sejam reconhecidas de alguma forma. A SHEIN chega num ambiente com as regras já bem estabelecidas, mas o pagamento à vista sem dúvida vai balançar muitos fornecedores, sendo que o custo de produção também é superior. Para o consumidor geral, acredito que não adianta ter várias ações ESG e não ter o seu tamanho de roupa.
A grade de tamanhos é uma coisa que me pega muito. Até existem lojas que vendam tamanhos maiores, mas nem sempre o valor é acessível. Fora que muitas marcas só aumentam o tamanho das roupas sem nem considerar a modelagem de um corpo diferente. E tem outra questão: marcas que compram roupas da Shein e trocam a etiqueta - isso aqui me deixa maluca, principalmente quando tem o discurso de fabricação própria