Desde que eu resolvi testar o formato "comunidade", a coisa que eu mais faço da vida é falar sobre isso. Com muitas marcas, mas não só! No último ano eu tomei algumas dezenas de café com pessoas próximas que tavam afim de criar comunidade - inclusive, muitas que estão aí rolando eu ajudei um pouquinho, contando minha experiência. Ao longo desse tempo eu percebi que todo mundo acredita (graças à muitos reports de tendência) que o futuro das conversas digitais é via comunidade. Eu, honestamente, acho que o que os reports estão querendo dizer é muito diferente do que as pessoas estão entendendo… mas eu consigo entender todo o hype em volta dessa conversa, todo esse desespero pra chegar logo na "nova fase" da comunicação digital porque, de fato, quem chega antes leva vantagem (e também porque tá todo mundo exausto de redes sociais, mas sem saber muito o que fazer).
Da minha experiência - tanto prática com o Clube de Moda, quanto teórica porque já li bastante sobre o tema - todo mundo sabe o que é comunidade fora da internet. Todo mundo vive, de algum jeito, em comunidade: pode ser sua comunidade religiosa, do prédio que você mora, do trabalho, da faculdade, do futebol, da corrida… o que é mais confuso é quando a gente começa a pensar em comunidades digitais. Parece super diferente, mas na real, nem é…
Comunidade é, por definição, um grupo de indivíduos que compartilham algo. Essa definição funciona tanto pra sociologia quanto para biologia. E funciona também pro digital.
A ideia de estar com outras pessoas, muito diferentes entre si, mas que possuem uma paixão/um hobby/uma religião/um trabalho/uma estratégia em comum, é pensar em comunidade. E acho que esse é o primeiro "pulo do gato" da comunidade: não dá pra inventar o interesse em comum. Você pode perceber que há uma demanda pra um tema, pode desejar se conectar com mais pessoas sobre um tema, mas se só você estiver afim de falar sobre agricultura na Rússia… não há meio de criar uma comunidade. Não há marketing digital que fabrique uma paixão, que convença as pessoas a estarem lá porque, de novo, não é um tema comum. Comunidade SEMPRE demanda tempo e a gente, sobretudo na era da atenção, não gasta tempo com algo que não interesse ou renda algum benefício.
Outra coisa que eu acredito que é fundamental sobre comunidade é um espaço de conexão entre as pessoas. Não dá pra ser uma conta no Instagram porque lá tem um dono da conta - que tem lugar de protagonismo e pauta os assuntos. Comunidade é um espaço onde todo mundo pode conversar entre si e puxar novos assuntos. Claro que toda comunidade tem alguém que inventou e cuida pra que tudo funcione, estabelece regras, limites, combinados, mas a comunidade, à medida que vai dando certo, se torna cada vez mais de todo mundo. Não dá pra ter uma pessoa só falando, isso é lista de transmissão. Comunidade exige troca, conexão - de novo, é só pensar na vida offline: uma missa não é comunidade, a comunidade católica se forma no tempo além missa. Não sei nada de religião, não sei porque eu insisto em dar esses exemplos (mentira, eu sei, é porque religião é uma das coisas que mais engajam quando falamos de comunidade).
Vou aproveitar pra contar a minha experiência pessoal de comunidade, que nem dá mais pra dizer que é minha, hoje ela já é nossa. Em agosto faz 2 anos eu criei o "Clube de Moda" e ele começou como um teste, uma ideia de quem já estava ficando cansada do Instagram (tema que mais se repete nesse newsletter, plmdds!), mas eu ainda não tinha entendido que tinha um jeito de fazer diferente. Mas eu tinha um feeling de que precisava inventar algo e mais! Eu tinha um DM bombando de mensagem e eu via que tinha ali uma multidão que iria ser muito mais feliz se pudessem conversar entre si porque eu não dava conta de responder todo mundo.
A ideia do clube sempre foi conectar pessoas que eram apaixonadas por moda e que não tinham muitas amigas pra trocar sobre isso. Era o que eu mais sentia falta há 10 anos, quando migrei pra moda e senti que era uma falta que muita gente sentia também. Quando eu desenhei a comunidade, eu já desenhei com a Commu - que hoje não tá mais com a gente, mas foi fundamental no nosso primeiro ano. E, lá em agosto de 2022, eu já sabia/pressentia que a comunidade não seria um negócio, uma coisa que daria um dinheiro equivalente às horas trabalhadas. O Clube de Moda sempre foi pra mim também um "negócio de meio" - vale, inclusive, ler aqui a newsletter sobre newsletter onde eu explico melhor essa minha ideia.
Na época, eu conversei com muita gente que já fazia comunidade, a maioria fora do Brasil. E foi a Marcella Donatelo, uma amiga que fiz na internet, que mora em Londres e trabalha com comunidades há séculos, que me trouxe a maior clareza que eu podia ter sobre o formato: as comunidades já existem, ninguém inventa, comunidade existe desde que o mundo é mundo. A nossa função, como líderes de comunidade online e intencionais, é ajudar a organizar e a viabilizar esse encontro. É isso que eu tenho em mente toda vez que to pensando o que vai rolar numa nova temporada do Clube de Moda.
Não, uma conta no instagram não é uma comunidade, simplesmente porque em comunidade todo mundo pode falar, ninguém pauta, sozinha, os temas, os blocks, os publis. Em comunidade todo mundo aparece, todo mundo se sente parte de um todo. E é aí que entra a treta que é pensar comunidade quando estamos falando de marca… A marca é sempre muito maior que uma pessoa física. Imagina estar dentro de uma comunidade da Adidas, por exemplo? Ninguém, absolutamente ninguém, nunca se sentirá confortável em bater papo com o líder da comunidade - a Adidas - porque ela nem pessoa física é. Ela nem tem uma cara, uma dor, um corpo. Mas comunidades é uma conversa que funciona muito bem pra marca, sim, mas funciona de outro jeito!
Pensando em marcas, comunidades costumam funcionar melhor quando surgem naturalmente. Pra mim, o maior case brasileiro nesse tema é o da marca Melissa com as suas Melisseiras. As Melisseiras tem vários grupos no Facebook (comunidades <3), onde trocam, vendem, opinam sobre os novos lançamentos. A marca, de um jeito muito inteligente, se aproximou nessas meninas que são fanbase, e entenderam o valor agregado de ter consumidoras tão fiéis. As líderes dessas comunidades recebem lançamentos, vão a eventos da marca, são ouvidas sobre novos produtos e também sobre produtos antigos. É como se a Melissa tivesse rodando, todo dia, o dia inteiro, um monte de pesquisa com quem, realmente, consome seus produtos. E, todo mundo que já rodou pesquisas sabe como é caro, demorado e complexo esse processo. A comunidade encurta esse caminho e, sem a gritaria do Instagram, é possível conversar de perto com a sua "galerada" - desde que, de fato, a marca queira conversar e não só falar. É uma conversa genuína e muito rara pra quem tá nas marcas.
Existem alguns outros bons exemplos de comunidades e eu acho que vale a pena citar por aqui pra ficar mais clara a ideia de que nada se cria - e todos esses exemplos eu tirei de um livro bem ótimo que eu ganhei da Ana Cláudia (adivinha onde? Sim, no Clube de Moda haha), ele chama Get Together e é excelente pra quer saber mais desse tema!
grupo de corrida de rua: quantos grupos você não conhece que se fortaleceram através da corrida? Uma vez vi a Lígia - uma amiga corredora - dizendo que corrida é o esporte individual mais coletivo que existe.
legendagem do TED Talks: sim, existe uma comunidade de pessoas que se juntam e, de graça, legendam os principais TED Talks do mundo para que eles sejam mais acessíveis.
vigilantes do peso: um clássico quando se pensa em comunidade. A ideia era justamente que é mais fácil emagrecer, aprender a comer melhor, em grupo, trocando experiências.
Já li que os temas que funcionam melhor e naturalmente se organizam em comunidade são: religião, esportes no geral (mas corrida e crossfit tão no auge, né) e perda de peso. No Brasil, tem uma comunidade online que já existe há muitos anos e se chama O lugar. Não é uma comunidade religiosa, mas é ligada à espiritualidade. Impressionante como funciona bem e há tanto tempo a ponto de emplacarem meditações ao vivo, em grupo, toda semana.
Quando converso com marcas sobre comunidade, eu sinto que tá todo mundo muito perdido. Todo mundo entende que deveria reunir seus consumidores fiéis (que tão mais pra fãs que pra consumidores, honestamente) de um jeito mais inteligente e eficiente, mas ninguém tá disposto (ainda) a se movimentar nessa direção. Fico sempre muito triste em perceber que pouca marca abre espaço genuíno pra estar com quem consome os seus produtos, pra fazer parte da conversa. Os planos de comunidade sempre param na mesma pergunta:
"MAS COMO É QUE ISSO VIRA DINHEIRO?"
No Brasil, de maneira geral, eu sinto que as marcas ainda tem muita preguiça e muita resistência em se conectarem com a cultura. Todo mundo quer um espaço na mesa, interromper uma conversa, mas muito pouca marca está disponível a, de verdade, ouvir. Sinto que a conversa sempre empaca quando comunidade não é sinônimo de lucro, ou de envelopar um festival de música com o logo da marca, ou ter uma celebridade em cargo de liderança. Comunidade é para quem acredita em construção de longo prazo, pra quem tá afim de plantar hoje pra ir, ao longo do tempo, colhendo insights únicos e estar efetivamente conectado com uma cultura, uma causa, uma conversa.
Mas, no fim, a pergunta que fica é: quem tem tempo pra comunidade? Os consumidores, sem dúvida. Os apaixonados por um tema (que vão de shampoo a jardinagem, valendo qualquer coisa) abrem espaço pra fazer caber. Grupos que pautam a cultura, seja com temas políticos ou com temas sociais já se organizam assim. Mas as marcas, não. As marcas não têm tempo pra conversar com quem está no centro do negócio: os seus heavy users.
Realmente, eu nunca vou entender.
Pra encerrar, vale dizer que, por mais tentador que seja pensar que pessoas também são marcas, elas não são. Pessoas são pessoas e podem até se comportar e vender como marca. Mas marca é outra coisa. Marca não tem fome e nem precisa dormir 8 horas por noite. Marcas trocam de CEO, de gerente, de público, de produto, trocam até de cara, de cor, de branding. Marca fecha e começa em outro lugar com outro nome. Gente tem burnout, dor de barriga, morre e não ressuscita. Por mais que marcas-pessoas existam e seguirão existindo, elas seguem outra lógica e tentar encaixá-las na mesma lógica de pessoa jurídica é muito cruel.
Digo isso porque marcas de pessoas físicas, como o Clube de Moda ou como outras tantas que tem por aí, serão sempre diferentes de comunidades de marcas. E tudo bem, é só pensar que as finalidades também podem ser diferentes.
Pra encerrar, vou deixar uma opinião polêmica: eu não acredito em comunidades como negócio. Acho super difícil conseguir monetizar uma comunidade o suficiente para que ela realmente dê lucro e justifique o tempo investido. Não é impossível - taí O Lugar pra me provar errada - mas não é simples, não. Mas essa é só a minha opinião :)
Beijos e nos vemos semana que vem <3
Há 8 anos criei uma comunidade de torcedoras que torcem pelo mesmo time que eu. Comecei com 8 amigas, hoje somos mais de 150. Isso nos trouxe tantas coisas e oportunidades, até mesmo projetos de lei voltados para mulheres que frequentam estádios. Inclusive inspirou torcedoras de outros times a fazer o mesmo, e volta e meia nos unimos em campanhas. É um espaço muito legal de troca.
“ Gente tem burnout, dor de barriga, morre e não ressuscita. “ Thaís trazendo pra realidade quem acredita que em tempos de redes sociais todo prestador de serviço se tornou uma Marca, só que não… Gente é gente, e vai continuar sendo, afinal a priorização do CNPJ a custa do CPF só dá lucro pra quem vende essa ideia e prega o famigerado 6 em 7, na prática tá todo mundo querendo performar como se fosse máquina, e já diria Chico que assim, vai acabar “ Dançando e gargalhando como se fosse o próximo, a tropeçar no céu como se ouvisse música, pra se acabar no chão feito um pacote tímido.”