"but I could never be sure whether the end of my marriage to Charlie was the beginning of a story or the end of one."
"mas eu nunca tive certeza se o fim do meu casamento com Charlie era o começo de uma história ou o final de uma".
"It was a happy end, but that's because I insist on happy endings; I would insist on happy beginnings, too, but that's not necessary because all beginnings are intrinsically happy, in my opinion. What about the middles, you may ask. Middles are the problem. Middles are perhaps the major problem of contemporary life."
"era um final feliz, mas isso porque eu insisto em finais felizes; eu também insistiria em começos felizes, mas isso não é necessário porque todos os começos são intrinsecamented felizes, na minha opinião. E os meios, você pode perguntar. Meios são o problema. Meios talvez sejam o maior problema da vida contemporânea".
[Tô terminando de ler esse livro aí de cima: Heartburn da Nora Ephron. A Paula Gicovate falou dele no clube do livro da comunidade e eu fiquei curiosa. Ela veio conversar com a gente sobre o livro dela, o "Notas sobre a impermanência", e foi tããão legal. Ela trouxe esse livro pra falar de auto ficção e sobre como os homens fazem isso o tempo todo, mas só as mulheres são questionadas sobre escreverem sobre a própria vida. Eu já curtia a Nora Ephron do cinema, mas nunca tinha lido, tô adorando].
Hoje eu quero falar sobre o fim. E se você veio atrás de uma dica de moda, desculpa, hoje não tem. Mas volta semana que vem, quem sabe ;)
Eu li esse trecho aí de cima, onde a personagem principal do livro diz que nunca teve certeza se o fim do seu casamento era o início ou final de uma história, e achei genial. Talvez eu encerre tantos ciclos, não tenha nenhuma dificuldade de "matar o que tá me matando", porque eu não presto muita atenção no final, eu já tô sempre de olho no começo de algo novo. Eu tenho muita fé na vida, no que eu ainda não vejo, mas sinto que existe. Eu sou apaixonada pela sensação de começar de novo, de aprender o que eu não sei, pelo mistério que existe no caminho que eu não enxergo. Naturalmente, isso só se aplica quando eu escolho e não quando eu sou escolhida.
O problema, no geral, de encerrar ciclos - seja casamento, amizade, sair de um trabalho, mudar de cidade… - é o que fica pra trás. Sempre fica muito. Eu nunca vi e nem vivi um final onde não fosse preciso carregar pra frente um buraco gigante, uma cicatriz no meio do peito. Nunca andei esse caminho novo e misterioso com todos os meus membros. Tem sempre algum pedaço de mim que ficou caído pra trás. Mesmo quando eu escolho ir embora. E, desde que minha mãe morreu, eu também morri algumas vezes. Esse foi o primeiro grande remendo e talvez esse final, que a vida me impôs, tenha me ensinado a ver beleza nas costuras, nos pedaços colados meio tortos. Ou era assim ou não seria.
Quando saí de Minas, deixei pra trás meu paraquedas, meus mapas, o juízo, a comida e o conforto da casa da minha vó, meus amigos e uma penca de discos. Eu caí muito, me perdi todos os dias, sofri pra fazer novos amigos e nunca fui tão feliz.
O segredo pra mim é esse: aceitar a falta e o que vem da vida nova. Eu gosto da saudade, da falta e do que aparece no lugar. Vai ver que perder minha mãe tão cedo tenha me ensinado que viver com saudade é o único jeito de viver.
Depois disso, vieram muitos finais. Muitos. E tenho a sorte (e o privilégio) de, volta e meia, poder escolher ir embora ao invés de ser expulsa. Mas sou muito expulsa também.
Os finais são, basicamente, um grande abrir mão e deixar tudo cair. Abrir mão das pessoas, das histórias, dos lugares. Do que "podia ter sido e não foi". Abrir mão até do que era ruim, mas era familiar e gostosinho de reclamar. E meodeus como é difícil. É tipo encerrar um relacionamento sem emendar em outro, é ficar mastigando o desconforto, o não lugar, a falta. O ego despedaçado porque, rapidamente, ninguém se lembra mais de você. É fazer as pazes com a própria insignificância.
E o medo? Já podemos falar sobre o medo? Eu sempre fui imbatível nas despedidas, eu não olho pra trás, mas o medo parece um bicho preguiça, reclamão e pessimista, que insiste em andar colado na minha pele. Às vezes sobe até nas minhas costas e me faz arrastar pelo chão, é um inferno. Mas eu sigo, mesmo que rastejando. Não é como se tivesse pra onde voltar. O fim é isso: mesmo que você dê ré, já acabou, não tem volta.
Mas eu tenho um compromisso maior que é ser feliz. E os finais são parte inegociáveis desse processo. Então o medo vem comigo, há anos, porque nunca achei nada capaz de expulsar o medo. Não adiantou tatuar "coragem" na perna. O medo não quer nem saber se você é corajosa ou cagona. O jeito é aprender a gostar dele… Peguei intimidade e, mesmo quando ele insiste em me tirar o sossego, eu gosto dele.
Liz Gilbert fala que tá tudo bem ter medo, desde que o medo entenda o lugar dele: ele não decide nada. Ele é acompanhante.
Eu poderia falar de muitos finais pessoais: de quando me separei, de quando fui demitida grávida, de amigas que perdi. Mas difícil mesmo foi mudar de carreira, carreira é (era?) um lugar de identidade pra mim e aí é mais que um fim e um começo, é um "me perder de mim". Eu sonhei muito em estudar cinema e trabalhar com cinema. Decidir ir embora foi muito sofrido e eu só fui porque ficar doía mais. Infinitamente mais. Fiquei, inclusive, um tempo indo e voltando, até que um dia, um chefe meu da época me disse "você já conseguiu sair, não volta". Meio "sai correndo antes que esse mundo te puxe de volta e você morra infeliz".
E eu nunca mais voltei.
Mas sofri em todos os festivais que não fui, com todos os filmes que queria ter feito, com os infinitos grupos que eu deixei de pertencer. Com as coisas que eu sonhei lá atrás e nunca realizei. Fiquei perdida e sem chão pensando "quem sou eu agora que não sou do cinema?". Demorei demais a fazer as pazes com os filmes. Foi foda.
Mas passou e eu entendi que eu não amava fazer cinema o suficiente pra justificar ficar e aceitar os problemas, que pra mim eram insuportáveis. E, sendo bem honesta, eu não amo nada que me faça mal. Eu deixo de amar qualquer coisa que me torture.
Desde que eu entendi isso, eu vivo os finais com um pouco mais de paz.
Ontem na academia eu fiquei ouvindo uma mulher dizendo como ela acha importante ensinar pros filhos a não desistir, que a vida é difícil e não dá pra largar tudo só porque tá ruim. Eu entendo de onde vem esse discurso, eu tenho 2 filhos, eu sei exatamente o que é a criança que quer começar e parar coisas o tempo inteiro. Mas, francamente, nunca colou pra mim esse discurso do "tem que aguentar".
Não, não tenho.
Aliás, se eu tiver mesmo que aguentar, eu aguento. E meodeus como eu já aguentei. Mas toda vez que eu puder escolher, eu me escolho.
E veja bem: eu fiz uma faculdade inteira, uma pós graduação, estou fazendo uma segunda. Trabalhei com moda e redes sociais por 10 anos, com cinema por mais um tanto, fui casada por 10 anos e já faz 5 que eu tô com o Ivo. Eu trabalhei em uma fábrica absurda nos EUA durante todo o tempo que me comprometi. Fiz 2 anos de cursinho pra passar no vestibular em uma faculdade federal e passei. Eu não desisto de toda e qualquer coisa. Mas se eu sinto que meu tempo ali acabou, eu vou embora.
Não sei explicar quando é hora de ir ou de ficar, jamais tentaria dar esse conselho, não tem absolutamente nenhuma racionalidade nos meus finais. Eu só sinto. Ao longo dos anos eu passei muito tempo sozinha comigo mesma: seja porque eu fui filha única por por 11 anos e fiquei horas e horas sozinha em casa com meus pais fora, trabalhando. Ou porque minha mãe morreu e eu fiquei mais sozinha. Ou porque fui fazer faculdade em outro estado e, adivinha?, morei sozinha. Viajei sozinha, mesmo odiando. Me separei e reaprendi a ser sozinha. Sozinha. Isso sem contar as solidões com companhia. Infinitas. Deve ter sido isso (e a psicanálise, sejamos justas) que me deu essa intimidade comigo mesma: o meu acordo, meu compromisso, minha lealdade e fidelidade é comigo mesma. E nunca me arrependi de ir embora, talvez me arrependa do como ou de ter demorado muito. Me arrependo de muitos começos, mas dos finais, não.
Os finais - e também os começos - são feitos pra quem está disponível para abrir mão do ego, pra quem entendeu que a vida é também sobre perder. Haja humildade pra ser esquecida. Haja humildade pra começar de novo. Mas, de onde eu vejo, esse é também o segredo pra ser feliz.
—Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan’t have lied. It’s evident
the art of losing’s not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster.
One Art - Elizabeth Bishop
Eu sou fã dos finais, mesmo quando eles me derrubam. E, assim como a personagem do livro, insisto em finais felizes.
me bateu de um jeito maravilhoso esse texto, muito obrigada!
Thais, incrível como sempre seu texto.
"Abrir mão até do que era ruim, mas era familiar e gostosinho de reclamar." Isso traduziu algo que eu estava pensando hoje sobre 'os incomodados que se retirem' hahaha nem sempre a gente se retira, né? É tão confortável...
Sobre medo, queria compartilhar um trecho do livro da Marcela Ceribelli [Auro] que me tocou muito: "Desde que me entendo por gente, achava que era medrosa porque associava essa palavra apenas a grandes atos dignos de música de ação. Foi quando entendi que coragem é ter firmeza para enfrentar situações difíceis; não sem medo, mas apesar dele. Aliás, escrever este livro está sendo uma baita prova disso. Então tenho medo, sim, mas existe muita coragem dentro de mim, e agora tenho algo na pele e meu primeiro livro publicado que me lembram disso." Também tenho medo, e também tenho coragem tatuado. Marcela me traduziu muito e me trouxe co forte sobre medo.