disclaimer: essa news é um bate-papo, dividindo com você um negócio que to vendo e sentindo, sem milhões de dados, só um feeling. mas andei conversando sobre isso com várias pessoas do mercado e achei que valia trazer pra cá!
numa introdução de segundos: na era pré-blogueiras, as marcas gastavam seu dinheiro em mídia (televisão, rádio…) e em famosos - que iam de artistas à celebridades. a grosso modo era isso. quem fazia publicidade eram pessoas que tanto você quanto minha vó conheciam. pessoas que estavam na televisão, na música, nas artes, nos esportes… tinha pouco isso de vender lifestyle, né? a pessoa era famosa porque tinha um trabalho que a deixou famosa. digo pouco porque sempre existiu socialite e celebridade, mas num volume infinitamente menor que hoje. e aí, nessa era, os famosos eram pessoas muito distantes! ninguém sabia se a xuxa tava gripada, o que o zico comia no café da manhã ou se a tiazinha tinha ido ou não na academia hoje cedo.
claro que também sempre existiu a revista cara, ilha de caras, entrevistas picantes (quem lembra das que eram feitas na playboy? uau! era muito voyeurismo, né?!). sempre existiu essa curiosidade com a vida do famoso, sempre teve paparazzi, mas os artistas seguiam sendo pessoas que tavam muito longes de gente-como-a-gente. não era alguém que você acompanhava em formato reality show, como é hoje os stories de quase todos os famosos. eu lembro (e se você tem a minha idade ou mais também vai lembrar) de quando a Sasha nasceu. de fechar um andar do hospital, de ser um mega assunto no Fantástico. tudo lindo, editado, voz off, a história cheia de cortes e construções para ser exatamente o que o público esperava que fosse. lembra? pois é. esses dias eu vi a Fernanda Paes Leme entrando na sala da maternidade para ter neném. não foi no Fantástico, não foi um paparazzi, foi nos stories dela mesma. ela "me contou". eu, sinceramente, nunca vi nenhuma amiga entrar pra parir, nenhuma. a única pessoa que eu tinha visto com vestidinho e touca de maternidade, até então, tinha sido a minha mãe - já que minha irmã é 11 anos mais nova e eu vi tudo <3. essa cena da Fernanda Paes Leme ficou na minha cabeça. sem julgamento, mas com muita atenção: uma nítida mudança de como o famoso virou uma pessoa hiper próxima e acessível. (e aqui vamos combinar que vou usar a palavra famoso pra não ter julgamento de quem é artista, quem é celebridade, quem é cantor, quem é sei lá o que, tá?!).
bom, numa dessas, a vida ficou mais difícil pro influenciador. sem dúvida. sim, vai continuar tendo influenciador, não, não tá acabando. sim, eu leio os relatórios de como o marketing de influência ainda tá bombando. porém, contudo, entretanto… tá mudando. tá mudando porque os famosos não são mais pessoas distantes, como eram. os publis com famosos não são mais "xuxa fingindo que usa monange". os famosos perderam muito dinheiro de publicidade com a chegada dos influenciadores, que entregavam justamente essa ideia de que era uma amiga sua te dando uma dica. alguém com quem você se relacionava, alguém em quem você podia se ver. não era alguém super famoso, super distante, fechando um andar de hospital pra parir. o influenciador chegou como alguém: próximo, confiável, identificável. e se, por um lado, os famosos estão cada vez mais próximos, os influenciadores estão cada vez mais distantes: ou porque ficaram muito ricos, ou porque ganham milhares de recebidos todos os dias, ou porque não levam uma vida de trabalhar de 9h as 18h ou porque estão com sérios problemas de saúde mental (natural, né?) e não conseguem mais expor tudo e o tempo todo.
a minha sensação é de que, resumindo num respiro: chegaram as blogueiras, depois as redes sociais e tudo mudou! as mídias, as publicidades, a comunicação, o jornalismo, tudo. ninguém sabia direito como funcionava, as marcas saíram botando dinheiro em todo mundo que crescia e aparecia, ninguém conseguia muito medir o retorno, mas ele vinha - porque, sim, marketing de influência é super poderoso - e agora as coisas tão mais amadurecidas.
fake news, deep fake, inteligência artificial, milhares de influenciadores só no Brasil, um mercado de creators ainda totalmente sem regulamentação, criadores de conteúdo de todos-os-jeitos e sem nenhuma linearidade de entrega aliados, publico exausto de ver publico sem parar - seja de influenciadores, seja da própria plataforma. e bom, pra coroar, ainda temos os famosos ocupando as redes sociais como ninguém antes poderia prever.
ninguém precisa mais de uma entrevista com a Carolina Dieckmann - ainda que sempre tenha muitas - porque ela abre caixinha de perguntas e sempre conta bastante sobre ela. eu sei até de onde é o piercing de triângulo que ela tem em uma das orelhas. nenhuma entrevista me daria esse conteúdo, por exemplo, desses tipo de coisa que a gente pergunta pras amigas. ela, que é uma atriz que atravessa toda essa história que tô contando e que sempre fez campanhas publicitárias, é um exemplo palpável de como a história tá mudando. enquanto escrevo essa news, vi que ela fez um publi - na mesma linguagem de influenciador: mais caseira, sem super produções - pra Farm.
aí eu te pergunto: será que a Carolina Dieckmann - que tem uma carreira muito sólida no offline, de aaaanos, e agora tem uma rede social fortíssima, não entrega mais que alguém que só tem a rede social fortíssima? você pode me responder que o publi dela custa muito mais caro, é mais complexo, envolve uma equipe maior. te juro que não sei dizer, principalmente quando a gente compara ela de igual com um influenciador que tenha o mesmo alcance que ela. mas posso afirmar com tranquilidade que o custo-benefício não deve ser ruim, não. influenciadores grandes e bem sucedidos também cobram muito caro e, nem sempre, tem essa credibilidade que ela tem.
sem contar o "lastro" do offline. num mundo EXAUSTO, onde se discute todos os dias como as redes sociais matam a gente de ansiedade, como ainda existe tanto publi sem notificação, como tem muito influenciador que se perdeu no personagem e mente descaradamente… será que não tá todo mundo, de alguma forma, buscando solidez em quem construiu primeiro no "mundo real" e depois na internet? desconfio que sim. e aí, de novo, não vamos deixar de ter influenciadores, mas sinto que tá ficando mais difícil ganhar dinheiro com essa profissão e se manter sendo só criador de conteúdo.
Tem uma matéria no Meio e Mensagem (vale dar uma olhada), que mostra os dados de uma pesquisa do YOUPIX + agência Brunch. Segundo essa pesquisa, "o número de creators que vivem dessa função cresceu de 2022 para 2023. Em 2022, eram 74,7% ganhando dinheiro na profissão, agora são 81,4%. Desse montante de 81,4%, 37,8% têm na produção de conteúdo sua fonte de renda única, enquanto 43,6% fazem dessa produção a sua renda extra. Mas ainda há 18,6% que não ganham dinheiro algum com o trabalho que desenvolvem." e aí continua "O ganho mensal padrão de um criador brasileiro está entre R$ 2 mil e R$ 5 mil. Mesmo sendo maior que um salário mínimo, essa fonte de receita está longe de ser capaz de transformá-lo em uma cadeia de geração de empregos, conforme indica a pesquisa. Muito por conta desse contexto, 47% dos creators entrevistados pela pesquisa ainda estão formalizados como Microempreendedor individual (MEI), cujo faturamento anual não ultrapassa R$ 81 mil."
e aqui quero fazendo um adendo importante: o trabalho de creator viabilizou que muita gente em situação de vulnerabilidade ou que não conseguia sair de casa pra trabalhar ganhasse algum dinheiro. mães solo, por exemplo, é um nicho gigantesco no instagram. assim como mães de crianças com deficiência ou autismo - conheço muitas que hoje se sustentam assim. pessoas para quem, muitas vezes, ganhar entre 2 mil e 5 mil reais, com horários flexíveis e sem sair de casa, muda a vida. mas, como aqui estamos falando de mercado, sinto que, até para esse grupo, esse é um trabalho muito instável. essas mulheres também serão as primeiras a não terem mais publis quando o mercado apertar ou quando o foco de atenção das marcas for outro. um dinheiro instável que depende de muita dedicação e também de muita exposição.
e pra falar dos "novos tempos", vou trazer um exemplo que eu acho que retrata muito bem o que tenho sentido vir: barbara migliori, conhece? ela foi jornalista da Vogue por 15 anos - sim, QUINZE ANOS - e agora é jornalista de moda no Iguatemi, que tem se fortalecido como uma plataforma de brand journalism, (posso falar mais disso qualquer hora!) e produzido muito conteúdo nas redes do shopping. conteúdo de verdade e não só anúncio de coleção, chamariz de venda ou vitrine de produtos. além de jornalista no Iguatemi, ela tem feito sua carreira de criadora de conteúdo no instagram. ela tem hoje 142 mil seguidores - o que é um número legal, mas tá loooonge de ser uma conta enorme quando se trata de moda. para além disso, os conteúdos que ela faz (e que eu consigo ver, porque não a conheço, só de internet), não são um estouro de engajamento, não viralizam. vários posts não chegam a mil likes, por exemplo. e ela tá bombando. fazendo um monte de publi!
tenho visto muitas influenciadoras desses mesmo nicho, com números mais expressivos, sofrendo com a ausência de anunciantes. gente que tá na internet há muitos anos, geral reclamando. mas, de onde eu vejo, a "marca barbara" não tá passando por isso. e a explicação pra mim é muito simples: quem você conhece passou 15 anos dentro da Vogue e hoje integra a equipe de jornalistas do Iguatemi? quase ninguém. essa história construída offline é muito, muito, muito valiosa. a barbara não é influenciadora, ela é especialista em moda e também faz publis. pra mim, a diferença tá aí. e isso muda tudo. o público que segue ali com ela é apuradíssimo, um nicho selecionado a dedo, quase, aliado a uma credibilidade de quem carrega consigo o selo da maior revista de moda do país. se depois de amanhã ela resolver não ser mais influencer, ela segue sendo jornalista de moda, com um lugar cativo no mercado. isso não é pouca coisa.
o meu palpite aqui é que é infinitamente mais fácil assumir um instagram mais "influenciador" quando se é uma atriz, um cantor ou um jogador de futebol. se fizer direitinho, tem menos chance de erro e mais chance de ganhar dinheiro. sem contar que, cansou? fica 3 meses offline e volta como se nada tivesse acontecido… porque a sua imagem não foi construída online e o instagram não é dono da sua imagem. eu sinto, e aí posso dizer que também por experiência pessoal, que ser full time influenciador - coisa que fui por muito pouco tempo - é absolutamente desgastante, desumano. moedor de gente. mesmo com todos os privilégios, é enlouquecedor ser uma versão pessoa física da globo news que "nunca desliga". gente precisa desligar. e ter o que falar, fazer coisas interessantes, viver outras vidas que não cabem no instagram.
como negócio também, é infinitamente mais sólido ter uma imagem que não existe só nas redes sociais e as marcas estão preferindo contratar quem oferece mais estabilidade e profissionalismo. a sensação que fica pra mim é que famosos estão conseguindo construir marcas pessoais mais fortes e menos porosas. estão se dedicando a isso. basta ver Deborah Secco - que fez verdadeiros curta metragens no seu instagram, fecha muitos publis e até um press kit dela mesma, ela já criou. Paolla Oliveira também surfou bem essa onda no carnaval, fez também seu curta metragem, se apropriou do tema "corpo livre" e foi capa de revista, saiu na casa Vogue… uma estratégia muito bem sucedida.
tem muito famoso que não se rendeu a esse movimento - e aí dá pra falar do Wagner Moura, Fernanda Torres, Rodrigo Santoro e muitos outros. tem também influenciadores que vieram de uma carreira offline e depois ficaram infinitamente mais conhecidos pela influência - o que, sinceramente, não adianta muito e acaba entrando também na roda de full time influenciador. digo isso porque quando sugiro uma escritora pra trabalhar com uma marca e a marca sequer sabe que ela é escritora, não adianta muito e ela é vista só como influenciadora, mesmo (a não ser que seja um publi de livraria haha aí ajuda!).
criadores de conteúdo mudaram a indústria inteira do marketing, criaram uma profissão, mas ainda são o laço mais fraco do mercado, infelizmente. acabam reféns de marcas, do algoritmo, dos seguidores e da gritaria que virou as redes sociais.
vale ressaltar como marcas de influenciadores viraram enormes cases de sucesso, como Camila Coutinho com GE Beauty, Bruna Tavares com a sua linha de maquiagem, Gabriela Pugliesi com milhares de negócios - e eu poderia continuar aqui por horas! além de fazerem dinheiro com a marca, melhoraram também o capital da marca pessoal.
vamos vendo pra onde esse movimento todo vai… acho muito legal olhar e ter a sensibilidade de perceber o mercado, ainda mais agora, que converso com as marcas e não só com os creators. mas, de novo, a minha sensação é que vai ser cada vez mais difícil viver só de influência.
Excelente, Thaís, muito dessa conversa tem o que eu penso e vejo por aí, e ainda que seja do marketing não sou especialista no assunto.
Quando falou do parto da Fe Paes Leme me lembrou do filme “O show de Truman” que assisti no cinema, numa época em que a internet engatinhava e não existia realities. E lembro que saí do cinema com a cabeça a mil, pensando que aquilo era um surto total. E hoje vemos as pessoas vivendo aquilo por vontade própria. Uma loucura!
Eu amei essa news, Thais! Realmente uma conversa muito bacana para termos e ficarmos de olho!