Todo mundo concorda que as tendências de moda estão acontecendo numa velocidade maluca. Toda semana tem uma conversa diferente que veio do TikTok e que nem é, de fato, alguma coisa nova, é tudo um grande "requentado" - tipo mob wife, que se inspira nas mulheres da série (que eu amoooo) Sopranos, lançada em 1999. Ou seja: em 2024 rolou-ta-rolando uma moda que requenta a imagem de "mulher de mafioso" de mais de 20 anos atrás!
Por outro lado, tem toda uma conversa que também rola nas redes sociais sobre como tendência é uma ideia horrível, o mal do século e como as pessoas originais são aquelas que não se vestem pensando nisso. Claro. Porque todo poder gera uma resistência, já diria Foucault. E se aesthetic é a conversa mainstream do momento, certamente a resistência é negar esse desejo pelo novo.
O problema (ou a solução?) é que na vida real nada disso acontece desse jeito. Ninguém, absolutamente ninguém, muda o armário completamente quando o TikTok manda mudar. O que acontece é que a maioria das pessoas compram coisas para misturar ao que já tem. E aí, num dia de maior inspiração, a pessoa usa aquele item e sente que é uma pessoa do seu tempo, afinal, está em dia com a pauta do momento. Muita gente também compra o que não precisa, o que não vai ser usado - ou vai ser usado uma única vez. O que é, realmente, um problema. Mas hoje eu não vou falar sobre como as marcas (chinesas, sobretudo) lucram a partir desse movimento. Hoje eu quero falar de estilo pessoal, da pessoa gente-como-a-gente, que é quem sempre foram as minhas clientes e alunas e que é um universo que eu transito com intimidade.
A bem da verdade, quando você observa o movimento da rua, as pessoas na cidade, você repara que a moda muda muito pouco. As pessoas ficam presas nos universos fashionistas, na bolha de pessoas novidadeiras (os inovadores ou, no máximo, os early adopters) e esquecem que essa turma não é a maioria. É um nicho. A maioria das pessoas, no fundo, nunca nem ouviu falar de mob wife - e te digo mais! Na minha vida de fashionista, eu não vi nenhuma amiga se vestindo de mulher de mafioso. Só vi no instagram e no TikTok. Algumas outras conversas eu sinto que se estendem por mais tempo, tipo clean beuty
Quer um exemplo melhor? Vamo pensar na calça skinny? Muitaaaa gente deixou de comprar calça skinny e testou outros modelos, é verdade. E foi ótimo ver nas vitrines muitas calças retas, wide, pantalonas… mas quando a gente olha para os números ou pra rua as skinnys não sumiram. Vale ler essa matéria aqui do Steal the Look que fala que em 2022 as skinnys ainda representavam 30% das vendas de jeans e entraram como item clássico pro catálogo da Levi's (onde ainda representavam de 50% a 60% das vendas de calças jeans). Khloe Kardashian nunca deixou de usar skinny e esse é um modelo campeão na sua marca de jeans, a Good American - ainda que Khloe tenha aderido também ao moletom super largo, por exemplo. Aliás, eu amoooo Kardashians e escrevendo esse texto eu lembrei dessa cena, quem viu?
Essa semana, na manicure, fiquei reparando que todas as mulheres do salão estavam de skinny e eu mesma, se não tivesse grávida e sem caber em absolutamente nenhuma calça jeans, estaria usando a minha skinny porque ando com saudade, haha. Segui pensando nisso e lembrei de muitas amigas minhas (que não trabalham com moda, nunca pararam de usar skinny e isso nunca me pareceu esquisito, admito).
Há umas semanas eu fui no WGSN Summit e uma das conversas foi justamente essa: como um item que é tendência, que tá bombando nas buscas do Google, não necessariamente reverte em vendas. 63% do mix de cores nos desfiles verão 2024 eram composto por preto, branco, cinza e bege. 77% das peças eram lisas. Mesmo com tantas tendências acontecendo ao mesmo tempo e tendências tão polarizadas (porque barbie core aconteceu ao mesmo tempo que quiet luxury, quem lembra?), as pessoas, no geral, seguem comprando mais ou menos as mesmas coisas.
Voltando pra você, amiga consumidora, também não é verdade que a gente é capaz de ignorar as tendências e que elas são algo a ser evitado. A moda é sobre novidade e isso não quer dizer necessariamente comprar roupa nova, mas quer dizer que vamos sim mudar o jeito que nos vestimos. Mesmo que sejam os mesmos itens, o jeito de usar essas peças vai mudar (ó o styling aí!). A moda não é cíclica, ela é um espiral. Tudo que volta a ser tendência, volta de um jeito diferente. Isso é do jogo, é do sistema de moda e, ainda bem! Porque numa dessas muita coisa melhora! A gente pode reclamar (com razão) de como as roupas perderam qualidade ao longo do tempo… mas também temos que reconhecer que muitaaaa marca pensando no conforto surgiu nos últimos anos. Muito tecido tecnológico, muita coisa que não amassa, muito moletom. Pra exagerar e me fazer entender, é só pensar que a gente não usa mais crinolina - que deixava a roupa pesadíssima, impossível de se locomover com agilidade, várias mulheres morreram queimadas porque o tecido era altamente inflamável e as casas tinham foto pra todo lado (em lareiras, fogão, iluminação à velas…). Até outro dia, salto alto era obrigatório em festas e agora vários red carpets já exibem mulheres de flat. Isso também é tendência. E tendência, no final do dia, é um reflexo do comportamento, do que acontece no mundo.
Nada é só ruim, nada é só bom.
No fim das contas, muita gente que diz que odeia tendência, consome tendência sem se dar conta. E, naturalmente, tendência não é só roupa. Às vezes você não é tão da moda, mas consome tendência de tecnologia, de decoração, de alimentação… Tendência é comportamento, são os serviços que a gente deseja, tudo isso importa. A roupinha do TikTok é só uma micro tendência. Macro tendência é um ciclo muito maior! Mariana Santiloni, do WGSN falou disso (infinitamente melhor que eu), nesse podcast. Vale muito ouvir!
Eu gosto de pensar que tendência é um tempero que a gente coloca no nosso estilo - que é mesmo pra ser mais estável, que é mesmo pra ter peças atemporais e coisas que sabemos que vamos gostar pra sempre. A tendência é menos angustiante quando a gente tá bem resolvido com o nosso estilo pessoal. Quando a gente sabe o que gosta, quando tem um acervo pessoal bem estabelecido, é infinitamente mais fácil negar as tendências que não fazem sentido pra você e acomodar com tranquilidade as novidades que facilitam e melhoram a sua vida.
Agora tamo de volta na era das sapatilhas que, sim, voltaram repaginadas. Mas eu tenho certezaaaaa que um monte de gente vai dizer que nunca parou de usar sapatilha. E também tenho certeza que mais uma penca de gente vai dizer que segue odiando, independente do que aconteça. É isso, o jogo é esse. A moda vai seguir perseguindo a novidade (mesmo quando a novidade é repaginar um item clássico, como a sapatilha) e a gente pode escolher com responsabilidade o que a gente vai admirar de longe e o que vamos trazer pro armário.
Daqui, do meu lado, eu adoro dizer que "jamais usaria" e depois mudar de ideia. Eu gosto de testar e experimentar novas jeitos de ser eu. Afinal, "os trecos nos criam", diria o antropólogo Daniel Miller. E eu concordo :)
O que eu acho maravilhoso na Thaís é que ela faz conteúdo de verdade. Não tem gatilhos mentais, não tem link do curso, tem informação, tem um jeito autêntico de falar sobre moda que faz, até eu que não sou da área, pensar sobre moda-consumo-vida-etc! E como assim Thaís tá grávida!! Que amor! No dia que Thaís lançar um curso sobre marketing, eu já estarei inscrita!
A parte do texto que observou que tendencias muitas vezes não reflete em vendas me atingiu com tudo! eheheh E com isso, senti de dividir minha experiencia aqui: Fui head de produtos em uma marca bem conhecida no Instagram por alguns anos, nesta marca as vendas sempre explodiam quando tínhamos nas coleções produtos virais, como saia longa jeans, parachut pants , jeans cintura baixa... Acredito que conhecer o publico e se posicionar contribui muito para o desempenho de produtos virais ou qualquer outro produto. E ajudando algumas marcas a desenvolverem produtos de forma independente vejo o quanto a relação das marcas com as tendencias esta mal resolvida. As marcas estão consumindo conteúdos de tiktok e acreditando que a tendencia é fazer exatamente aquele produto tal e qual, e ai chegamos no mercado como consumidores e vimos uma enxurrada de ''mais do mesmo''. Tento trazer para os meus clientes que tendencias ainda pode ser acompanhada da nossa essência... E acredito que o mesmo precisa ocorrer com o consumidor, adequando o que faz sentido para ele no lifestyle dele. Vejo poucas marcas incentivando consumidores a usarem produtos trends de forma diferente do que a blogueira do tiktok postou e com isso criamos essa cultura de que quem não esta com o lenço + boné amarrado na cabeça não é legal, não é da moda e talz... Concordo plenamente quando vc menciona que tendencia precisa ser um tempero.
Muito obrigada, mais um texto que gerou diversos insights por aqui!