Há muito tempo eu me pergunto porque os tênis de corrida são tão feios se os tênis casuais das mesmas marcas são tão lindos. Nesse meu incômodo visual, fui perguntar pros amigos da corrida se eles tinham boas dicas e quais tênis eles usavam. Qual não foi minha surpresa ao ouvir da IMENSA MAIORIA dos corredores-pessoas-próximas? "Não me importo com a estética do tênis". Mesmo no nosso clube de moda, onde todo mundo se importa com moda. E isso plantou em mim uma semente. Fiquei intrigada pra pesquisar mais.
A primeira resposta é prática e simplista: a placa de carbono - que fica na entresola do tênis e faz aquela plataforma nos pares mais modernos, cê já deve ter visto. É ele o responsável por economizar energia do corredor e melhorar o amortecimento podendo melhorar a corrida. E, pra ser bem honesta, eu diria que muita pouca gente precisa realmente de um tênis com placa de carbono. De novo, eu não sou especialista nisso, mas eu dei uma lida geral e, COMO TUDO QUE ACONTECE NO MUNDO DO ESPORTE, a placa de carbono foi criado pra atletas de alto rendimento, é óbvio que ninguém pre-ci-sa disso. Mas a moda (e aqui uso moda como "modismo" ou "tendência" e não como fashion) ela faz isso com a gente, né, faz a gente desejar o que não precisa, acreditar que o feio tem seu charme e que correr com um calçado de sola mais fina é um atestado de antigo, desatualizado, não atleta. Ainda que você seja não atleta, mesmo.
Mas a feiura foi um tema que andou comigo nos últimos meses do ano passado porque eu - por uma coincidência enorme da vida - trabalhei com várias marcas de sapatos ano passado. E pesquisei muito sobre tênis, corrida, esporte de performance e esse universo em comum. Comecei a fazer as perguntas pras marcas, pro mercado, pra quem entende muito mais disso do que eu: por que todos os modelos se parecem tanto entre si? Por que nenhuma marca conseguiu criar um colorido lindo ou um minimalista realmente cool? Tem sempre um logo gigante, uns grafismos completamente equivocados, né possível, gente. Sério. Tem muito design bom no mundo, tem muita gente excelente em criar produtos que funcionam bem e que são bonitos - é essa a magia do design, inclusive.
E foi aí que eu entendi que o universo de corrida não quer ser bonito. É uma escolha estratégica, pensada, de grande parte do mercado. Assim como é o Crocs, Birkenstock ou UGG que abraçaram a estética do esquisito e seguem vendendo cada vez mais. O esquisito tem muito valor, aliás. Ele é interessante, desperta opiniões apaixonadas, incomoda. Os tênis de corrida nem chegam a tanto e, ao contrário das marcas anteriores, que já tinham essa estética e só se aproveitaram do timing para transformar o feio em uma tendência, os novos tênis de corrida se dedicaram a ser feios. Escolheram. Eles estão comprometidos com uma outra estética, com uma ideia de velocidade, potência, força e isso, aparentemente, é mais fácil de ser vendido se não estiver ligado ao universo fashion.
Pois bem.
Importante dizer aqui que o athleisure e a moda já estão na maior intimidade, sim. Mas percebi nesses últimos meses que o universo de corrida resolveu criar os seus próprios códigos e sua própria estética. As marcas mais modernas de corridas estão firmes no movimento "anti moda", ou seja, não querem ser relacionados com o universo fashion. E aqui é claro que eu tô generalizando e é claro que eu me refiro a uma estética fashion e não ao movimento SUPER DA MODA que é geral correndo, principalmente pós pandemia. É claro que as marcas de performance querem também vender pra quem é fashionista, mas eles não querem parecer fashionistas. Esse é o grande pulo do gato: o design, a comunicação e as imagens produzidas contam uma história e dizem - sem nomear - em que "galera" a corrida quer estar.
Resumindo: Hoka, On, New Balance, Salomon e todo mundo quer fazer parcerias com marcas de luxo, mas não nos tênis de corrida. A corrida está, estrategicamente, afastada da moda porque ser bonito soa como "ineficiente" e tudo que uma marca de corrida não quer é isso. É como se a moda priorizasse a beleza em detrimento da funcionalidade (e quantas vezes já não foi mesmo essa a verdade, né?).
Eu entendo totalmente a estratégia, mas acho uma pena, claro, porque funcionalidade + beleza é a grande habilidade do design. E é óbvio que dá pra fazer um tênis com informação de moda e placa de carbono, por exemplo. Mas no comportamento de consumo, estar na moda é diferente de parecer um corredor. Pra parecer corredor você precisa ter a estética da corrida e não a da moda. E, honestamente, é infinitamente mais fácil reforçar uma ideia geral que resolver recriar uma ideia, uma cultura, sobre um determinado tema.
Pensa aí comigo se não faz sentido: as palavras mais usadas pelas marcas de corrida são relacionadas a funcionalidade, tipo: leveza, inovação, impacto, tecnologia… e eu entendo.
Tem uma matéria do ano passado no Business of Fashion que vale muito a pena ler pra entender como a Hoka - uma das maiores marcas de corrida do momento - mudou em 2020 toda a estética dos tênis. Como a gente há 4 anos achava essa estética esquisitíssima e como hoje ela virou um código, um entendimento de que quem usa Hoka imprime não só uma persona mais esportista (mesmo que não faça esporte algum), como também alguém que está conectado ao símbolo do seu tempo, aka: modernidade.
Pensando sobre isso, eu percebi que não é só a corrida e que, estrategicamente, tem muita gente vendendo moda, usando moda, mas não querendo fazer parte do universo moda. E não deixa, mesmo, de ser uma opção, um caminho de comunicação.
De cabeça consigo pensar, por exemplo, no site Enjoei. Grande parte da venda do Enjoei é roupa, mas eles nunca se dedicaram a construir uma relação forte com o universo de moda. Segundo o Tiê Lima - CEO da marca - "o Enjoei quer ser menos moda e mais plataforma de sellers". E isso fica claro, por exemplo, na compra do Elo 7 e também do Cresci, Vendi - nenhum dos dois é sobre moda. Eu, pessoalmente, acho uma pena essa distância do mercado de moda porque o Enjoei é a maior plataforma e o maior catalisador da economia circular no Brasil - e moda é e sempre será também sobre roupa usada e não só sobre grife-passarela. Mas, se a comunicação de moda não conta essa história, a moda segue sendo só tendência e lançamento.
Fico aqui pensando: se nos anos 2000 a moda estava super "na moda", será que agora é hora de rejeitar esse espaço? Mesmo nesse jeito confuso, onde, negar a moda é ainda fazer uma enorme referência e deferência a essa indústria?
Sempre com as melhores reflexões! Eu tenho uma rabugice sem fim com a mistura das cores totalmente fora de harmonia. Tem uma marca que claramente faz isso de propósito, e tem um dos modelos mais vendidos! Daí me chama atenção uma coisa que percebi nos últimos 9 meses desde que comecei a correr: mesmo sendo por lazer ou por amadorismo, todo mundo que corre quer passar uma impressão de performance muito grande. Quer mostrar os resultados do fortalecimento, diminuindo o pace etc. Então faz todo sentido a sua conclusão. Porém, sinto que essa demanda pela estética vai aumentar um pouco. Neste fim de semana, a adidas lançou um tênis de corrida com tons mais sutis e agradáveis.
Super reflexão! Concordo que se afastar do universo da moda como uma maneira de expressar uma estética de eficiência está no centro da questão dos tênis de corrida. Mas fico pensando no quanto isso também favorece a necessidade de mais consumo. Quem corre precisa ter os tênis eficientes para correr, mas se quiser ter um tênis bonito e com informação de moda para outras atividades, precisa comprar outro modelo. Você não consegue as duas funções em um tênis só!